Estudo mostra que poluição atmosférica pode influenciar ciclo menstrual
Pesquisadores franceses identificaram que partículas finas penetram nos alvéolos pulmonares e podem atingir a circulação sanguínea e órgãos como os ovários ou cérebro. Pessoas passam em meio a condições de fumaça e neblina durante uma manhã fria em Faridabad, na Índia, em foto de novembro de 2019.
Money Sharma/AFP/Arquivo
De que maneira os gases poluentes poderiam afetar o ciclo reprodutivo das mulheres? Esta foi uma das questões levantadas no estudo dirigido pelo pesquisador francês Remy Slama, do Instituto para o Avanço da Biociência, situado em Grenoble, no sudeste da França.
A pesquisa analisou amostras de urina de 184 mulheres vivendo em grandes cidades, durante um ciclo menstrual completo. Em seguida, a equipe associou os resultados aos níveis de exposição à poluição nos 30 dias que precederam o ciclo. A conclusão dos cientistas é que existia uma ligação entre a concentração de partículas finas e a duração da fase folicular, anterior à ovulação, que tende a ser mais longa.
As partículas finas penetram nos alvéolos pulmonares e podem atingir a circulação sanguínea e certos órgãos, como os ovários ou o cérebro. Esses elementos microscópicos são formados por um núcleo de carbono e materiais que “queimaram”: metais, gases ou outros componentes voláteis. Há também a poluição gasosa, que gera, por exemplo o dióxido de azoto, emitido pelos automóveis em circulação.
Pedestres na saída do metrô Clínicas na Avenida Doutor Arnaldo, em foto de abril de 2014.
Fábio Tito/G1/Arquivo
A pesquisa francesa, publicada recentemente no jornal científico “Environmental Pollution” é inspirada nos resultados obtidos por uma equipe brasileira do Hospital das Clinicas, que analisou a exposição de ratos fêmeas à poluição da avenida Doutor Arnaldo, uma das mais movimentadas de São Paulo. A duração do ciclo menstrual dos roedores mais atingidos pelas partículas finas foi afetada. Esse resultado levou o pesquisador Remy Slama e sua equipe a verificar se o mesmo efeito poderia ser observado também nas mulheres.
“O recrutamento foi complicado porque, na França, muitas mulheres utilizam a contracepção hormonal, que vai perturbar os parâmetros do ciclo menstrual. Procuramos aquelas que não usavam pílula. Para isso, foi preciso recrutar pessoas na população em geral”, explica o cientista francês.
Para escolher as participantes da pesquisa, a equipe de Remy Slama utilizou os dados obtidos em um estudo realizado entre 2007 e 2009 pelo Observatório Epidemiológico de Fertilidade na França, também ligado ao Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França), que entrou em contato com 50 mil lares.
Cerca de mil mulheres em idade reprodutiva que tentavam engravidar foram selecionadas e 184, com idades entre 18 e 45 anos, aceitaram participar da pesquisa fornecendo amostras de urina. A equipe então realizou dosagens hormonais que permitiram quantificar a duração de cada uma das fases do ciclo menstrual – principalmente a folicular, quando os folículos ovarianos se desenvolvem, e a lútea, quando o corpo se prepara para uma possível gravidez.
Um homem com uma garrafa d’água passa por uma mulher tomando uma bebida em uma ponte sobre o rio Sena, em frente à Torre Eiffel, em Paris, na França.
Philippe Lopez/AFP
Eixo hormonal
As partículas finas, explica Remy Slama, têm influência direta na atividade da enzima conhecida como aromatase, relacionada à produção do estradiol, hormônio responsável pela liberação de óvulos pelos folículos ovarianos. Os gases poluentes também atuam no eixo hormonal do stress e do cortisol, ressalta o pesquisador, implicados no controle da função menstrual.
“É possível que esse efeito da poluição atmosférica sugerido em nosso estudo sobre o ciclo menstrual seja explicado por uma perturbação desse eixo hormonal hipotálamo-pituitária-adrenal ou eixo hipotálamo-hipófise-ovariano.”
Esse sistema neuroendócrino regula processos orgânicos diferentes, entre eles a sexualidade, por exemplo. O trabalho da equipe francesa não mostrou, entretanto, se os efeitos observados eram fruto da atividade das partículas finas, dos gases poluentes ou de uma ação combinada dos dois.
Poluição e gravidez
O estudo demorou vários anos para ser concluído, explica o pesquisador, mas por enquanto não há conclusões sobre como a poluição pode influenciar diretamente a fertilidade feminina. Ele cita, entretanto, dados de uma pesquisa realizada na República Tcheca, onde há níveis de poluição bastante elevados.
Névoa de poluição cobre Paris em entorno da Torre Eiffel, em foto de 27 de julho de 2018
Mustafa Yalcin/Anadolu Agency via AFP/Arquivo
“Os pesquisadores observaram que quando os níveis de poluição estavam elevados, a possibilidade de obter uma gravidez para as mulheres que buscavam ter um filho diminuía no ciclo seguinte”, explica.
Outros trabalhos também mostram que a qualidade dos espermatozoides pode ser afetada pela poluição atmosférica e que ela pode também provocar uma diminuição do peso das crianças no nascimento, favorecendo a pré-eclâmpsia. A patologia provoca hipertensão arterial, provocando o aparecimento de outras complicações.
“Nosso estudo se une a uma série de outras pesquisas que nos permitem dizer com certeza que a poluição atmosférica é dos principais fatores que podem ser controlados e que influenciam a saúde humana se tiverem seus níveis diminuídos, permitindo uma verdadeira melhoria ”, ressalta Remy Slama.
Fonte: SAUDE