Do referendo à saída efetiva, entenda as etapas que concretizaram o Brexit
Referendo de 2016 aprovou a saída dos britânicos do bloco, mas ela só acontece 3 anos depois. ‘Retome o controle de nossas leis monetárias e acordos de fronteira’, diz cartaz fixado em janela de Altrinchan, no Reino Unido. Manifestantes pró-Brexit pedem saída da União Europeia sem acordo
Phil Noble/Reuters
“Brexit” é a junção das palavras em inglês “British” e “exit” e significa “saída britânica”. O termo é usado para se referir à saída do Reino Unido da União Europeia (UE), que se concretiza nesta sexta-feira (29).
O processo teve origem em grupos da direita da Inglaterra inicialmente minoritários e ganhou força ao longo dos anos 2010. A discussão ganhou contornos mais sólidos em 2016, após a proposta ser aprovada em referendo com 52% de votos favoráveis dos britânicos, contra 48% que rechaçaram a saída da UE.
O que é a UE e o que motivou o Brexit
A União Europeia é um grupo até então formado por 28 países, contando com o Reino Unido, com livre comércio entre si. O bloco também permite o trânsito de seus cidadãos para trabalhar e morar em qualquer parte do território dos membros.
A defesa do Brexit inclui argumentos que apontam que a saída do Reino Unido do bloco é positiva porque irá:
restringir a entrada de imigrantes no país;
aumentar a soberania dos britânicos para decidir sobre assuntos de interesse interno, como saúde, emprego e segurança;
aumentar os recursos públicos disponíveis exclusivamente para os britânicos, com o fim dos valores repassados à UE;
melhorar as possibilidades de negociação em acordos bilaterais com outros países.
Manifestante anti-Brexit diante do Parlamento britânico, em Londres, nesta quarta (29)
Henry Nicholls/Reuters
No entanto, para quem era a favor da permanência dos britânicos no bloco, o Brexit vai:
dificultar para cidadãos do Reino Unido viver em outros países da União Europeia;
prejudicar negócios hoje favorecidos com regulamentação e burocracia comuns entre os países;
reduzir lucros devido à cobrança de tarifas de exportação para os países europeus, destino de grande parte dos produtos britânicos exportados;
não ter qualquer garantia de que o dinheiro hoje repassado à UE será aplicado em demandas internas, como serviços de saúde e segurança.
Acordo de ‘divórcio’
Aprovado pela maioria dos eleitores britânicos em 2016, teve início o processo de fechar um acordo com os termos do divórcio. Para isso, foi preciso que tanto parlamentares que representam o bloco europeu quanto os legisladores do Reino Unido discutissem como ficam temas como:
o valor a ser pago pelos britânico à UE por quebrar contrato de parceria;
os britânicos residentes em outros países da UE e europeus que moram no Reino Unido;
a situação da República Irlanda, país independente e membro da UE, mas situado na mesma ilha que a Irlanda do Norte, parte integrante do Reino Unido. A polêmica gira em torno de como não criar uma barreira física entre as duas Irlandas. Os dois países viveram anos de conflito, e um acordo de 1999 que pôs fim à violência acabou com a “fronteira dura”, física, permitindo que cidadãos dos dois países possam circular livremente, sem passar por controle de migração.
Acordos rejeitados e cronogramas
Theresa May durante pronunciamento nesta sexta-feira (24)
Toby Melville/Reuters
Até o início de dezembro de 2019, o acordo fechado com os membros do Parlamento Europeu pela ex-primeira-ministra Theresa May havia sido levado para análise dos parlamentares britânicos três vezes, tendo sido rejeitado em todas as ocasiões.
O último acordo, fechado em outubro pelo premiê Boris Johnson com os europeus, não chegou a ser votado. O Parlamento britânico impôs uma derrota a Johnson e aprovou uma emenda que, na prática, adiava a votação do acordo. O primeiro-ministro acabou convocando novas eleições, na tentativa de ampliar o total de conservadores no Parlamento e garantir a aprovação de um acordo.
As datas programadas para a saída definitiva do país do bloco, que não depende necessariamente de o acordo ser aprovado, também passaram por vários adiamentos. A partida da UE foi agendada, originalmente, para 29 de março de 2019. Em seguida, adiada para 31 de outubro de 2019. Após nova alteração, a previsão no início de dezembro era que a saída ocorresse até 31 de janeiro de 2020.
Os políticos britânicos ficaram divididos: alguns queriam que o Reino Unido saísse o mais rápido possível do bloco, outros preferiam que fosse convocado um novo referendo sobre a saída, enquanto um terceiro grupo defendia cancelamento completo do Brexit.
Três primeiros-ministros em três anos
Desde 2016, quando o Brexit foi aprovado em referendo, dois primeiros-ministros renunciaram. O conservador David Cameron deixou o cargo logo após a aprovação do referendo. Ele próprio havia convocado a votação, mas não concordava com a ideia de que o Reino Unido deixasse o bloco europeu.
Depois, foi a vez de Theresa May, que assumiu o cargo após a saída de Cameron. Foi ela quem negociou com os líderes da União Europeia um acordo para o divórcio. May, no entanto, colocou o acordo para ser votado pelos parlamentares britânicos três vezes, e desistiu de ocupar o posto após a última tentativa frustrada.
Ao assumir como primeiro ministro em julho de 2019, depois da saída de May, Boris Johnson prometeu um novo acordo com a União Europeia e afirmou que a saída do Reino Unido do bloco ocorreria em 31 de outubro.
Boris Johnson prepara uma torta em uma cozinha em Derby, na Inglaterra, nesta quarta-feira (11), com um avental que diz ‘realize o Brexit’.
Ben Stansall / AFP / Pool
Ele chegou a firmar um novo acordo com a União Europeia, mas acabou negociando – a contragosto – novo prazo para que o país deixasse o bloco — 31 de janeiro. Depois disso, convocou eleições gerais para garantir uma maioria forte dos conservadores e conseguir, finalmente, que o acordo possa ser aprovado.
Em 12 de dezembro, seu partido, o Conservador, obteve uma ampla maioria no Parlamento, com o melhor resultado em uma eleição desde a década de 1980, o que permitiu a aprovação do projeto de Johnson e o cumprimento de sua promessa de deixar a UE no fim de janeiro.
Agora, durante 11 meses, as duas partes ainda terão um período de transição, em que vários detalhes do relacionamento entre elas serão negociados. Entre os mais importantes estão:
Circulação de cidadãos europeus e britânicos entre Reino Unido e União Europeia (incluindo regras de habilitação e passaportes de animais)
Permissões de residência e trabalho para europeus no Reino Unido e britânicos na UE
Comércio entre Reino Unido e União Europeia, tarifas de importação, livre circulação de mercadorias
Questões de segurança, compartilhamento de dados e segurança
Licenciamento e regulamentação de medicamentos
Circulação de alimentos
Linha do tempo do Brexit
23/06/2016: Britânicos aprovam em referendo, por 52% dos votos contra 48%, a saída do Reino Unido da União Europeia
24/06/2016: Um dia após o referendo do Brexit ser aprovado, o ex-primeiro-ministro britânico David Cameron, contrário à saída do Reino Unido do bloco, anuncia sua renuncia ao cargo
13/07/2016: Theresa May é nomeada primeira-ministra e coloca eurocéticos em postos-chave de seu governo
29/03/2017: Theresa May aciona o Artigo 50 do Tratado de Lisboa; começa a contagem regressiva de dois anos para o Brexit, que deve acontecer em 29 de março de 2019
3/11/2016: Alta Corte britânica decide que o governo precisa de aprovação parlamentar para iniciar o processo Brexit. A decisão é confirmada em 24 de janeiro de 2017 pela Suprema Corte
25/11/2018: Líderes da União Europeia aprovam acordo sobre Brexit
27/03/2019: Theresa May é pressionada pela oposição e promete renunciar caso acordo costurado com a União Europeia em 2018 seja aprovado
27/03/2019: Parlamento britânico rejeita oito propostas apresentadas como opção ao Brexit
29/03/2019: Parlamento britânico rejeita pela terceira vez uma proposta de Theresa May sobre o acordo firmado em 2018 com a UE sobre o Brexit
24/05/2019: A primeira-ministra Theresa May anuncia que irá renunciar ao cargo e deixar o governo em 7 de julho
24/07/2019: Boris Johnson assume o cargo de primeiro-ministro e promete que entregará o Brexit no prazo, em 31 de outubro
3/09/2019: Boris Johnson enfrenta rebelião de parlamentares conservadores contrários a seu projeto de Brexit e perde maioria no Parlamento
24/09/2019: A Suprema Corte britânica decide que a suspensão do Parlamento, convocada por Johnson, foi ilegal. O primeiro-ministro queria manter a Casa fechada de 12 de setembro até 14 de outubro, até às vésperas da data prevista para o Brexit
2/10/2019: Boris Johnson envia à União Europeia uma nova proposta de acordo sobre o Brexit, que prevê “suprimir” a salvaguarda elaborada para evitar uma fronteira entre Irlanda e Irlanda do Norte. Um acordo é atingido no dia 17
19/10/2019: Parlamento britânico adia decisão sobre o Brexit e obriga Johnson a pedir um novo adiamento para a saída do Reino Unido da União Europeia
29/10/2019: Após ter seus pedidos rejeitados por três vezes, Johnson consegue aprovação do Parlamento para antecipar as eleições legislativas – originalmente previstas para 2022 – para o dia 12 de dezembro
12/12/2019: Em eleições com os melhores resultados para o Partido Conservador desde os anos 1980, Boris Johnson garante maioria no Parlamento
20/12/2019: Já com a nova legislatura, a Câmara dos Comuns aprova a proposta de Johnson
31/01/2020: Reino Unido deixa oficialmente a União Europeia
Fonte: MUNDO