Com análise de dados e inteligência artificial, fabricantes de carros tentam prever o futuro das cidades
De olho no futuro das cidades, a indústria automobilística discute também o próprio futuro. Com novas tecnologias e discussões chegando aos carros — eletrificação, automação, redução de combustíveis fósseis e até a relação dos consumidores com a posse dos automóveis — as fabricantes discutem como essas novidades irão mudar as cidades. E, em última análise, até mesmo o futuro dessas empresas.
A discussão foi um dos principais pontos da Consumer Electronic Show (CES), maior feira de tecnologia do mundo, que passou a ser o principal evento do setor no início do ano, agora que o Salão de Detroit acontece em junho.
Em Las Vegas, Ford, Hyundai, Toyota tiraram o foco dos carros e tentaram olhar para as cidades com outras tecnologias, como análise dados e inteligência artificial. O objetivo é tentar prever, com algum grau de precisão, como elas podem se adaptar ao futuro e entender a mobilidade nas cidades que virão.
Dados e novas formas de mobilidade
Tentando entender quais são as necessidades urbanas e como direcionar soluções para os problemas que já enfrentamos nas cidades, as montadoras recorreram à análise de dados e à inteligência artificial.
A Ford tem um projeto desse tipo, chamado de City Insights Platform (Plataforma de Entendimento da Cidade, em tradução livre), em Ann Arbor, cidade que fica no estado de Michigan.
Ann Arbor tem a maior rede de transporte público do estado, o que ainda é insuficiente para lidar com o volume de pessoas. Embora tenha cerca de 120 mil habitantes, o que corresponde a apenas 1% da população de São Paulo, a cidade viu crescer sua população em 5 vezes nos últimos 20 anos, o que trouxe problemas de locomoção, tráfego e estacionamento.
Usando análise de dados e inteligência artificial, Ford conseguiu fazer modelo preditivo do tráfego na cidade de Ann Arbor, nos EUA.
Thiago Lavado/G1
A plataforma, fruto de parceria da Ford com autoridades locais e com o Instituto de Pesquisa do Trânsito da Universidade de Michigan, permitiu criar um modelo preditivo, baseado em dados, que consegue visualizar os congestionamentos nas próximas 24 horas e testar soluções para o trânsito.
Um dos testes foi o que aconteceria com a implementação de vans para transporte compartilhado. Os dados mostraram que, se a iniciativa tivesse baixa adesão, poderia até piorar o trânsito, mas se tiver adoção elevada, melhoraria o congestionamento em 5,75%.
“Pensamos que parte do congestionamento no centro se devia à falta de vagas, e planejávamos construir novas áreas de estacionamento”, disse Bill Frykman, diretor de inovação e mobilidade na Ford. “Se você pode introduzir vans de transporte, tirando os carros individuais da rua, você reduz o congestionamento”.
O impacto mais significativo seria justamente nos estacionamentos, que poderiam liberar de 8 a 12 vagas para cada van de transporte nas ruas.
Vans projetadas pela Ford para transporte urbano poderiam transportar até 6 passageiros.
Thiago Lavado/G1
O experimento também revelou que áreas do centro da cidade, pouco abastecidas pelo transporte público, passariam a ter algum tipo de nova opção de transporte e mudariam os incentivos e impacto do uso de carros.
Outro achado tem a ver com acidentes. Analisando os 25 piores cruzamentos da cidade, também foi possível implementar mudanças na estrutura urbana — como mudanças na localização dos sinais e intervalos de semáforos. As trocas geraram economia de US$ 6 milhões para a sociedade e redução no número de acidentes.
“Realmente faz parte de uma visão maior”, disse Frykman. “O cenário da mobilidade vai mudar e queremos ter certeza que a Ford será capaz de atender a essas necessidades”. Ele acrescentou que o projeto já está sendo expandido para outros lugares como Austin, no Texas, Detroit, Pittsburgh e Indianópolis.
Já a Toyota divulgou os planos para construir a Woven City, uma cidade aos pés do Monte Fuji, planejada para ter as melhores soluções de transporte e moradia. No longo prazo, a ideia é povoar a cidade, que é um protótipo reduzido, com funcionários da empresa e suas famílias.
No curto prazo, a Toyota vai construir outra cidade no mundo virtual, para poder prevenir antes problemas que poderiam surgir no futuro. O projeto deve começar em 2021. De acordo com Akio Toyoda, presidente da montadora, a iniciativa será “uma oportunidade para testar a tecnologia de inteligência artificial no mundo virtual e no mundo físico”.
A Hyundai, com a apresentação de um “carro voador” em parceria com a Uber, também vislumbra um futuro diferente para as cidades. A ideia envolve ainda a instalação de estações de decolagem e pouco, além de vans para conectar passageiros.
‘Carro voador’ da parceria entre Hyundai e Uber envolve também um redesenho urbano, com introdução de pontos de pouso e transporte para os passageiros.
Thiago Lavado/G1
Dos eletrônicos aos carros
Com montadoras discutindo o futuro e as cidades, curiosamente foi na Sony, uma empresa de eletrônicos, que um veículo ocupou o centro do palco. A preocupação da empresa japonesa, porém, não é fabricar carros em larga escala, mas mostrar que produz sensores que farão cada vez mais parte dos automóveis no futuro.
O Vision-S tem 33 sensores, além de sistemas de entretenimento e informação da empresa.
Modelo Vision-S ocupou o principal lugar no estande da Sony.
Thiago Lavado/G1
Atualmente, a Sony tem apenas 3% do mercado de sensores para carros, enquanto que é líder do segmento de sensores de imagem para smartphones, de acordo com dados da companhia de pesquisas Techno Systems Research.
“Não é exagero dizer que o celular tem sido a grande tendência da última década”, disse o presidente-executivo da Sony, Kenichiro Yoshida, em entrevista coletiva na CES. “Acredito que a próxima grande tendência será a mobilidade.”
A divisão de semicondutores é a segunda maior fonte de renda da empresa, depois do videogame PlayStation — dentro dessa área, a venda de sensores, principalmente para smartphones, responde por 86% do faturamento. O objetivo é refletir esses números também em sensores automotivos.
Fonte: ECONOMI